segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Imagem fixa do pensamento


Quem não leu ainda o Átrio do Invisível que leia !


No limite da minha visão o fundamental aqui é a percepção que estamos cada vez mais próximos de nada (sempre estivemos), no melhor sentido possível. O que estou tentando fazer aqui sem a menor pretensão acadêmica é admitir que toda a comunicação é impossível, toda possibilidade é fictícia e a arte é um esforço obsessivo de perceber o espectro ausente da ausensia.


Os textos que seguem são copias INTEGRAIS de fragmentos do orkut.


Seus dias passam-se num ritual marcado: acordar, levantar, andar, pensar, ler, escrever, acolhido em um tempo que não passa: escrever é entregar-se ao fascínio da ausência de tempo, pois na escrita as horas são as horas de um tempo outro, não linear, fora do relógio, dentro da ausência, mas na ausência de um tempo puramente afirmativo, o tempo da narrativa, que concede a escrita o Sim que afirma a sua permanência, o seu movimento, um movimento que viaja pelas margens e mergulhar no infinito do impensado. Navegando por todos os lugares, fora das grades, dos muros, nas ondas do devir, que faz da escrita um instrumento vibrátil, no qual a vida é sempre outra, a vida escrita, uma vida além da imagem, que é por si uma eterna invenção.

É dessa experiência que arrancamos Maurice Blanchot, de uma imagem além da imagem, do pensamento do impensado na escrita.

Dessa maneira, a relação de Blanchot com o pensamento indica uma possibilidade de novos caminhos, provocando novas questões em torno do pensamento e do fazer literário, pois como uma Máquina de Guerra sua escrita consiste em criar aberturas dentro e fora do espaço literário.

Mergulhar na superfície de um pensamento legitimamente Ser e Palavra significa liberar-se das reminiscências, quer dizer do monolítico e da tensão que ela representa, pois nesse pensamento, Ser e Palavra, o mundo cala-se, e não são, por fim, os seres, suas preocupações, seus desígnios, suas atividades, que falam, quem fala é uma linguagem outra, neutra: uma linguagem crua, nervosa, sem precedentes. Essa linguagem tudo ronda e tudo atravessa, sua força fratura o muro do significante e alcança o outro lado do pensamento, nele a noite parece outra. Nessa esfera pensar é um ato de vitalidade, é essencialmente afirmativo, é uma forma de ver a vida e o que passa através dela, é um verdadeiro caso de possível, de interpretação, pois interpretar equivale a criar, a maneira do jazz, interpretar interpretações, e com isso, gerar uma experiência tecida por uma fazer próprio, com o timbre da sua voz, singular.

A escrita de Blanchot é a evidência da supressão dos limites entre a escrita e o pensamento. É o exercício de um jogo em que essas matérias se atravessam e a todo o momento estão por reinventar-se, sendo sempre outras, navegando na direção do improvável, do impensado, do possível de todas as coisas engendradas no limiar da escrita. Com efeito, pensando Rilke, às voltas do Espaço Literário, Blanchot faz surgir um cem número de questões que cintilam entre escrita, pensamento, vida e morte, navegando em águas não isentas de riscos. Investimento traçado por uma grafia vigorosa, destilada nas linhas que irradiam nos arrastando para as bandas de um lugar soturno, um espaço onde a imagem é sempre a mesma: a morte. Blanchot experimenta, na escrita, uma estranha aproximação com a morte, mas a isso não como elogio mórbido e sim como devir-morte que pensa a morte como uma presença que temos que aprender, reconhecer, encontrar, sem sustos nem entusiasmos.


Esse Reconhecer implica na aceitação de um outro caminho, uma trilha em que quanto mais se vai, mais, nas suas distâncias, se desaparece. Esse desaparecer, por fim, resulta no apagamento daquele que escreve. Reconhecer a morte para engendrar o desaparecimento do autor, mas a um só tempo gerar a afirmação da escrita. Uma escrita outra, total, cingida por abismos e possibilidades.


Nessa esfera vida e morte se atravessam em uma superfície que faz de Blanchot ‘a testemunha integral’ de uma experiência da escrita, da intensidade; no qual a consciência da morte faz do corpo uma engrenagem livre, entregue, à medida da sua própria duração, como Máquina de Sensações, escrita-corpo, no qual a morte desenha os contornos da sua permanência: a morte é o lado da vida que não está voltado para nós nem é iluminado por nós; cumpre tentar realizar a maior consciência possível de nossa existência que reside nos dois reinos ilimitados e se alimenta inesgotavelmente dos dois. Nesse trecho de Rilke, dos Cadernos de Malte, Blanchot nos evidencia o quanto a morte está presente na vida, e vice-versa, mas, sobretudo, o quanto, além dos nossos domínios, a morte funciona como algo que não nos cabe recusar, tampouco julgar, mas tão somente aceitar e ter com ela um convívio pacífico, vital, como a passagem ou etapa de algo que é nosso, mas nos escapa o domínio.


Portanto, a morte seria, nesse sentido, o equivalente do que foi designado como intencionalidade. Pela morte, “nos olhamos para fora com um grande olhar animal”. Pela morte, os olhos mudam de direção e essa viagem é o outro lado, e o outro lado é o fato de não viver desviando, mas direcionado, introduzindo agora na intimidade da conversão, não privado de consciência, mas pela consciência, estabelecido fora dela, lançado no êxtase do movimento. Movimento que puro desequilíbrio, mas movimento inteiramente ligado à vida, a vida que passa nas bandas do outro lado, onde o controle nos escapa, mas nos assegura a noite, a dispersão de um profundo sono.