sábado, 15 de agosto de 2009

O Novo Eterno ; A Volta


Para Maurice Blanchot, nascido em 1907, cuja obra compreende tanto romances (o primeiro Thomas o Obscuro, 1941) quanto numerosos ensaios, a literatura é vivida como um drama ontológico, cujo segredo todo escritor, solitariamente, tenta decodificar. A afirmação da solidão essencial da obra não significa que ela
permaneça incomunicável, que lhe falta o leitor. Mas quem lê ingressa na afirmação da solidão da obra, assim como quem a escreve se entrega ao risco dessa solidão [O espaço literário]. O que, neste caso, deve reter a atenção é a estranha semelhança que, de início, parece se estabelecer entre quem lê e quem escreve, tanto um quanto outro participando, de alguma maneira, do mesmo segredo
da escrita. Para Blanchot, contudo, o segredo da literatura reside no fato de que as obras dão uma forma sempre única à experiência fundamentalmente paradoxal que todo homem faz das palavras, uma vez que o poder de nomear nos separa e nos exclui do mundo: Na palavra morre o que dá vida à palavra; a palavra é a vida desta morte, ela é ¿a vida que carrega a morte e se mantém nela¿. Admirável
poder. Mas alguma coisa existia e não existe mais. Alguma coisa desapareceu. Como reencontrá-la, como me voltar para o que está à frente, se todo o meu poder consiste em fazer o que ficou para trás?A linguagem da literatura é a busca desse momento que a precede [A Parte do fogo]. Tal qual o fogo que consome aquilo que vive, o espaço literário é fatalmente aquele onde se dá a morte do
escritor (como origem suposta do seu discurso), uma vez que uma ausência irremediável fala por meio dele. É nesse sentido que a célebre asserção segundo a qual A literatura agora dispensa o escritor foi recebida por um bom número de escritores e de teóricos contemporâneos como a expressão mais justa da recusa de qualquer compromisso com a instituição literária.

A palavra crítica é o espaço de ressonância no qual a realidade não falante, indefinida da obra, se transforma e se circunscreve em palavra. E, assim, dado que, modesta e obstinadamente, a palavra crítica nada pretende ser, ei-la que se faz passar, não mais distinguindo, pela palavra criadora, de que seria como que a
atualização necessária, ou para falar metaforicamente, a epfania.

Porém, de forma mais fundamental, o fascínio exercido pelo pensamento e pela voz única de Blanchot, ao longo da segunda metade do século XX, se deve ao fato de terem sido expressos com o cenário do mito ao fundo: o de Orfeu, quando Orfeu desce em direção a Eurídice, a arte é o poder que faz com que a noite se abra [O
Espaço literário] e o das Sereias da Odisséia, A narrativa é (...) a narrativa só episódio, o encontro de Ulisses e o canto sussurrado e sedutor das Sereias [Le livre à venir]. Esta inédita conjunção de discurso conceitual e recurso à palavra mítica faz a obra crítica de Maurice Blanchot ser criadora e filosófica, à altura do grande mito da literatura que a engendrou.